E Se Pararmos de Negligenciar a Saúde da Mulher?

nextpit Womens health shutterstock 749969473
© MMD Creative / Shutterstock

Ler em outras línguas:

Tenho me aprofundado bastante no universo dos wearables nos últimos tempos, e uma coisa que salta aos olhos é como as empresas ainda tratam de forma muito inconsistente os dados fisiológicos das mulheres—algumas mal reconhecem que eles existem. Dito isso, imagine o quanto poderíamos avançar se a tecnologia de saúde fosse pensada desde o início levando em conta a biologia das mulheres.

E aqui está o porquê disso: apenas 6% das pesquisas em ciência do esporte são focadas especificamente em mulheres—mesmo elas representando metade dos atletas do mundo. Meninas abandonam a prática esportiva na puberdade duas vezes mais do que os meninos; aos 17 anos, mais da metade (51%) já desistiu.

As pesquisas sobre gravidez são tão limitadas que médicos costumam seguir diretrizes excessivamente cautelosas, o que se torna mais prejudicial do que benéfico. O comportamento sedentário durante a gravidez, por exemplo, não apenas aumenta o risco de desenvolver diabetes, como mais que dobra (112%) as chances de ter essa doença.

Nos Estados Unidos, metade de todas as mulheres sofrerá uma fratura osteoporótica durante a vida, mas mesmo assim os cuidados preventivos são negligenciados. Durante a menopausa, a queda dos níveis de estrogênio acelera a perda óssea, consequentemente aumentando de forma drástica o risco de fraturas e complicações.

E os riscos não param por aí: as alterações metabólicas durante a perimenopausa refletem o pré-diabetes, abrindo o caminho para riscos mais altos de diabetes e, até mesmo, de Alzheimer.

Agora, vamos deixar esses dados de lado.

Desde que aprendi a importância de levar em conta a minha própria biologia na hora de gerenciar a minha saúde, venho absorvendo ao máximo tudo que posso aprender. Porém, às vezes, ainda sinto que vivo em uma bolha. Cada vez que saio dela, sou puxada de volta para um mundo que mal presta atenção em mim.

Quando vou ao médico e me perguntam sobre a data da minha última menstruação, minha resposta sempre é suficiente para comprovar uma boa saúde. Pior ainda acontece quando meu ginecologista descarta as mudanças na minha rotina as considerando inevitáveis, agora que completei 40 anos, sugerindo que não há nada com o que me preocupar. Isso me deixa um pouco acuada.

Não estamos mais nos anos 1980 ou 1990. Tem uma série de sensores presos ao meu pulso 24 horas por dia, sete dias por semana, que geram dados de forma contínua para monitorar a minha respiração, temperatura, frequência cardíaca e tudo mais. Então, porque a data da minha última menstruação ainda é uma métrica considerada durante uma consulta médica de 10 minutos de duração?

Além disso, por que o setor de tecnologia da saúde ainda está atrasado no que diz respeito à saúde da mulher, mesmo estando cercadas de tecnologia avançada por toda a parte? Como é possível que possamos comprar com muita facilidade rastreadores de saúde sofisticados e, ainda assim, nos sentirmos desconectadas das percepções básicas sobre o nosso próprio corpo?

Pensando nisso e visando explorar como chegamos a esse ponto, conversei com Emily Capodilupo, vice-presidente de pesquisa, algoritmos e dados da Whoop. Antes de mergulhar na nossa conversa, veja o que descobri sobre a saúde da mulher e da tecnologia vestível conversando com ela.

Uma mulher em uma blusa floral colorida sorri e posa confiantemente com os braços cruzados.
Emily Capodilupo, vice-presidente sênior de pesquisa, algoritmos e dados da Whoop. / © Whoop

Por que precisamos de um dispositivo para entender nosso ciclo menstrual?

Vou ser muito sincera com vocês. Meu plano inicial era destacar como empresas como a OnePlus ainda lançam dispositivos sem acompanhamento do ciclo menstrual. Recentemente, publiquei uma análise do OnePlus Watch 3 e, como mulher, não pude não me sentir prejudicada pela ausência de uma métrica de saúde tão essencial, principalmente vindo de uma empresa que está entre as poucas gigantes da tecnologia que ainda a ignoram. Como jornalista, então, me senti motivada a explicar o motivo desse descuido precisar de atenção.

No entanto, depois de conversar com Emily, percebi que as minhas expectativas não eram ambiciosas o suficiente e não deveríamos nos contentar somente com o monitoramento básico do ciclo menstrual. Devemos, na verdade, exigir considerações mais abrangentes.

Pense em como grandes empresas, como a Apple e a Samsung, abordam o suporte a pessoas que menstruam nos dias atuais. Elas se concentram na criação de banco de dados e ciclos e no fornecimento de ferramentas digitais mais sofisticadas para prever a ovulação. Esses dados são muito valiosos, pois nos dão uma compreensão mais clara de nossos ciclos, nos ajudando a planejar a nossa saúde sexual. Ou, devo dizer, o processo de planejamento familiar?

Mas tudo isso ainda não é suficiente. Como você descobrirá em breve na entrevista abaixo, saber em que fase do ciclo estamos não basta, pois precisamos também entender como essas fases afetam diretamente a qualidade de nosso sono, a recuperação e o desempenho atlético. Em uma última análise, também a nossa capacidade de ter uma vida longa e mais saudável.

Como a compreensão do ciclo menstrual pode aumentar o desempenho do condicionamento físico

Pensando em uma abordagem mais holística para o condicionamento físico, aprendi a diferenciar a necessidade genuína de descanso e a simples procrastinação para ir à academia ou sair para correr. Em alguns dias, me sinto com energia suficiente para me juntar aos Vingadores e salvar o planeta. Em outros, no entanto, mal consigo me concentrar para terminar um artigo.

Eu tinha o costume de culpar a mim mesma e a minha rotina por essas inconsistências, acreditando que eu não estava fazendo o suficiente para manter a minha vida com o equilíbrio necessário. Mas tudo mudou assim que percebi que as situações hormonais estavam me fazendo sentir assim, e devo agradecer ao meu Whoop por essa percepção.

 

Capturas de tela do aplicativo Whoop 4.0 mostrando análise de impacto na recuperação e acompanhamento do ciclo menstrual.
Toda vez que registro minha menstruação no aplicativo Whoop, o sistema integra essas informações para me mostrar como meu ciclo menstrual afeta a tensão e o sono. / © nextpit

Nos dias em que a minha tolerância ao esforço está baixa, agora consigo entender que é consequência do meu corpo sinalizando que alocou a energia em outro lugar. Se eu continuar fazendo exercícios intensos de qualquer maneira, logo verei meus indicadores de recuperação caindo. Saber disso me ajuda a evitar a frustração e apoiar o meu corpo de forma eficaz, como usar eletrólitos durante o treino. Obrigada, Emily, por essa dica!

As mulheres podem e devem se exercitar durante os períodos de menor tolerância ao esforço, mas é crucial se atentar aos sinais do corpo durante esses períodos. Na minha opinião, isso pode realmente melhorar o desempenho geral do condicionamento físico.

Os dispositivos vestíveis podem, finalmente, trazer igualdade à pesquisa sobre a saúde da mulher?

Agora, vou trazer um dos maiores insights da minha conversa com a Emily. Fazer uma pesquisa é muito caro, e uma pesquisa focada principalmente em mulheres é ainda mais cara.

Quando vi pela primeira vez sobre o lançamento do OnePlus Watch 3, fiquei sabendo também que a fabricante havia inaugurado um laboratório de saúde de US$ 14 milhões em Guangdong, na China. Para minha surpresa, porém, eles não incluíram nem mesmo o recurso básico de monitoramento do ciclo menstrual em seu dispositivo mais avançado. Isso realmente me chocou, mas infelizmente esse descuido pode ser visto em todo o setor.

Basicamente, é preciso de um grande grupo para conduzir uma pesquisa completa sobre a saúde da mulher, já que existe uma variabilidade hormonal associada ao ciclo menstrual e outras coisas. Logo, não se trata apenas da OnePlus. Fazer tudo isso é complexo e caro, então agora entendo melhor o desafio. Mas será que vai ser assim para sempre?

Na verdade, não. Como Emily vê diariamente no Whoop Lab, os dispositivos vestíveis vêm criando ótimas oportunidades para igualdade na pesquisa. Imagine milhões de pessoas que menstruam usando relógios inteligentes e gerando continuamente dados sobre seus ciclos, condicionamento físico, saúde e como seus corpos correspondem ao sono, nutrição, exercícios, trabalho e muito mais. Essas informações são incrivelmente valiosas quando analisadas e interconectadas de forma inteligente.

Em uma última análise, é exatamente isso o que perdemos quando as empresas não priorizam a saúde da mulher. Então, voltando a minha pergunta inicial: e se finalmente pararmos de negligenciar a saúde das mulheres? A resposta a esta pergunta é clara: seria libertador.

Leia a entrevista completa abaixo.


Entrevista da nexpit com Emily Capodilupo, vice-presidente sênior de pesquisa, algoritmos e dados da Whoop

nextpit: Sou uma grande fã do seu trabalho e também da Whoop. Como jornalista de tecnologia, testo muitos dispositivos e devo dizer que eu mesma comprei meu Whoop, não apenas para análise. Estou usando ele há quase um ano. É incrível como o aplicativo me ajuda a visualizar os dados e como ele é integrado para nos dar feedback sobre o que está funcionando e o que pode ser melhorado.

Emily: Obrigada, pessoal! Isso significa muito. Fico muito feliz em saber que o Whoop tem sido uma ferramenta tão útil.

nextpit: Vamos nos aprofundar no tópico de hoje. Com base em sua pesquisa e em seu trabalho na Whoop, por que o setor deveria incluir ferramentas como o monitoramento do ciclo menstrual como recursos nativos dos wearables? Quais são os principais motivos?

Emily: O ciclo menstrual é um dos sinais vitais mais importantes, mas há muito tempo é tratado como tabu ou sujo, algo que não é discutido ou, até mesmo, monitorado. Como resultado, a maioria das pessoas que menstruam não sabe o que é normal, nem mesmo seus médicos.

A menstruação é um fenômeno que pode ser visto como normal, pois contém uma grande quantidade de informações. Se é doloroso, a duração e a consistência dos ciclos... tudo isso reflete sua saúde geral. Mas, em vez de fazer perguntas significativas, como a regularidade de seus ciclos ou quais são os sintomas, a maioria dos médicos apenas pergunta a data da última menstruação. Isso não diz muito.

Quando se trata de dispositivos vestíveis, estamos em diferentes estados hormonais durante o ciclo. Na fase folicular, por exemplo, os hormônios estão mais baixos e o corpo se comporta mais como o de um homem. Então, é possível desenvolver músculos mais facilmente, treinar mais e responder melhor aos carboidratos. Já na fase lútea, o corpo está se preparando para uma possível gravidez e, portanto, está conservando energia, funcionando de forma mais quente e no intuito de armazenar gordura, não construir músculos.

Portanto, se os wearables não levarem isso em conta, estarão basicamente dando conselhos imprecisos para metade de seus usuários.

nextpit: Exatamente! Me sinto frustrada quando testo um novo dispositivo vestível com hardware e recursos de primeira linha, mas sem acompanhamento de ciclo. Mesmo assim, sempre vemos mulheres nos materiais de marketing. Essa não é uma lacuna enorme?

E: Sem dúvida. Muitas empresas acham que disponibilizar um relógio ou pulseira na cor ouro rosa é "para mulheres". Também recebemos reações contrárias. Nosso treinador de sono, por exemplo, recomenda mais sono para as mulheres na fase lútea, o que é cientificamente correto. Mas algumas usuárias disseram que isso era desmotivador porque não conseguiam obter uma pontuação alta de sono.

Porém, a realidade é mais importante do que a simplicidade. Podemos elogiar ou dizer a verdade e fazer você se sentir mais descansada.

nextpit: Pessoalmente, experimentei fazer isso com o jejum intermitente. Meus amigos homens se deram bem com ele. Eu não. Depois li Fast Like a Girl e aprendi a ajustar o jejum de acordo com meu ciclo e isso mudou tudo. Portanto, a falta de conhecimento parece ser a grande barreira aqui. Como a Whoop está lidando com isso?

Emily: Essa é uma história muito comum. Na Whoop, criamos uma cultura de pesquisa liderada por mulheres. Eu fundei o departamento de pesquisa. Nossa cientista de dados sênior e a chefe do nosso laboratório clínico são todas mulheres. E estabelecemos uma política em que o nosso Whoop Lab precisa alcançar a paridade de gênero entre os participantes da pesquisa.

Trabalhamos em uma colaboração estreita com a Dra. Stacy Sims há anos. Quando notamos padrões, como o fato de as mulheres obterem altas pontuações de recuperação durante a menstruação, nos aprofundamos e acabamos publicando estudos sobre o assunto.

E cada algoritmo ou recurso que enviamos deve passar por um processo de "OK para envio", o que inclui testes de conscientização do ciclo para gênero e idade. É assim que levamos essa questão a sério.

nextpit: Isso é incrível. Também soube que vocês disseram uma vez que os vestíveis estão criando oportunidades para a igualdade na pesquisa. Você pode explicar o que quiseram dizer aqui?

Emily: Claro. Antes da Whoop, eu trabalhava no Brigham and Women's Hospital fazendo pesquisas sobre o sono. Tínhamos orgulho de realizar um estudo com 30 pessoas, o que era uma amostra grande!

No Whoop, coletamos milhões de registros de sono todas as noites. Isso muda o jogo não apenas em tamanho, mas em diversidade. A pesquisa tradicional geralmente exclui mulheres, pessoas de cor e grávidas, seja de forma não intencional ou devido a preconceitos sistêmicos ou barreiras práticas.

Mas com os dispositivos vestíveis, qualquer pessoa pode participar, basta usar o aparelho. E descobrimos que até mesmo algo como os efeitos do ciclo, que são difíceis de isolar em um grupo pequeno, se tornam óbvios quando analisamos 15.000 ciclos. Você simplesmente consegue ver as tendências.

nextpit: Sim, e vocês evitam repetir esse viés histórico nas pesquisas. Mas, do ponto de vista do usuário, quando alguém menstrua e escolhe um dispositivo vestível sem acompanhamento de ciclo, o que essa pessoa realmente está perdendo?

Emily: Ela está perdendo tudo. A tragédia é que elas nem sabem que estão perdendo. Fomos condicionadas a pensar que é normal nos sentirmos inchadas, cansadas ou com pouca energia alguns dias por mês. Mas não precisa ser assim.

Se você acompanhar seu ciclo, mesmo que seja apenas no papel, poderá começar a ajustar o treino, o sono e a hidratação, e começa a se sentir bem todos os dias. E não se trata de restrição. São coisas simples: mais sal na fase lútea, mais carboidratos na fase folicular. Isso pode fazer uma grande diferença.

Além disso, ciclos irregulares são um sinal. Eles podem refletir problemas de tireoide, deficiência de ferro ou desequilíbrios hormonais. Mas a maioria das pessoas não percebe isso até começar a tentar engravidar e sentir dificuldades.

nextpit: Concordo plenamente. Para mim, o controle do ciclo se tornou essencial. Estamos quase sem tempo, mas há algo que você possa compartilhar sobre o que está por vir no Whoop?

Emily: Eu gostaria de poder compartilhar mais! O que posso dizer é que estamos trabalhando tanto em recursos explicitamente voltados para a saúde da mulher, quanto em integrações mais sutis em que a percepção do ciclo é incorporada às recomendações gerais, como treino, sono e recuperação.

Não tratamos a saúde da mulher como um painel secundário. Ela está inserida em toda a experiência do usuário. É isso que diferencia a Whoop da concorrência, pois não vemos as mulheres como casos isolados.

nextpit: Isso é extraordinário. E raro. Está claro que vocês estão fazendo um trabalho que vai além do design de produtos, vocês estão mudando a cultura.

Emily: Obrigada, pessoal. E um grande crédito ao nosso CEO, Will [Ahmed]. Apoiar esse trabalho significa ter cronogramas de desenvolvimento mais longos e custos de pesquisa mais altos. Mas vale a pena. Historicamente, até mesmo a FDA permitia a exclusão de mulheres dos testes devido à "complexidade do ciclo". Isso só foi proibido em 1993. No entanto, ainda não há igualdade de gênero nos testes clínicos. Portanto, sim, é mais fácil criar para os homens. Mas não estamos fazendo isso na Whoop.

nextpit: Obrigada, pessoal!


Fontes: TED talk de Emily Capodilupo em junho de 2023, Dra. Vonda Wright / NCBI, Women in Sport & Physical Activity Journal, relatório da Women's Sports Foundation, Meta-analysis in Medicina Sportiva / NCBI, Journal of Women's Health, Alzheimer's & Dementia journal

Ir para o comentário (0)
Camila Rinaldi

Camila Rinaldi
Head of Editorial

Com mais de uma década de experiência em review de dispositivos, recentemente mergulhei no mundo dos wearables e desenvolvi uma paixão por inovações em saúde digital. Embora agora eu esteja profundamente imersa no ecossistema da Apple, meu entusiasmo pelo Android permanece forte. Anteriormente, fui editor-chefe do AndroidPIT e do Canaltech no Brasil, e agora compartilho minhas análises com o público dos EUA no nextpit. Além da tecnologia, valorizo muito minha coleção de vinis e acredito que a melhor maneira de conhecer um lugar é através da sua gastronomia. Junte-se a mim enquanto exploro a fusão da tecnologia e da cultura em nossa vida cotidiana.

Para o perfil do autor
Gostou do artigo? Então compartilhe!
Artigos recomendados
ÚLTIMOS ARTIGOS
Notificação por push Artigo seguinte
Sem comentários
Escreva um comentário:
Todas as mudanças foram salvas. Não há rascunhos salvos no seu aparelho.
Escreva um comentário:
Todas as mudanças foram salvas. Não há rascunhos salvos no seu aparelho.